O que devemos considerar em vacinas na prevenção de Gumboro em poedeiras?

O que devemos considerar em vacinas na prevenção de Gumboro em poedeiras?

Além de um bom programa vacinal, é fundamental conhecer os preceitos de uma vacina ideal para cada realidade do produtor.

Com a palavra

August 23, 2022

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O Brasil é um dos principais países produtores de ovos comerciais do mundo, destacando-se pela eficácia no processo de produção no campo. O mercado interno parece muito animador, pois atingimos números recordes na produção de ovos e no consumo.

Em 2021, chegamos a 257 ovos per capta7. Esse aumento de consumo segue lado a lado com o aumento de produção de ovos: nos últimos 10 anos crescemos aproximadamente 58% em números absolutos.

Esse cenário só é possível quando associamos alguns fatores determinantes, como manejo, nutrição, genética, sanidade e muito amor pelo agronegócio. O fato de mantermos os plantéis livres de doenças, como New Castle e Influenza, contribui muito para os ótimos resultados; em contrapartida, não podemos esquecer as doenças de circulação nacional.

A ocorrência das doenças imunossupressoras exerce efeito devastador nos resultados zootécnicos dos lotes de aves comerciais, pois no moderno sistema de produção, nos quais os animais são criados em alta densidade populacional, as aves dependem constantemente da integridade do sistema imune para defender-se dos diversos agentes infecciosos presentes no ambiente3.

Entre as diversas doenças infecciosas imunossupressoras das aves, como Marek, Reticuloendoteliose, Leucose Linfoide, Anemia Infecciosa das Galinhas, Reovirose e Criptosporidiose, talvez a Doença Infecciosa da Bursa (DIB), ou mais conhecida como doença de Gumboro, seja a enfermidade que mais tenha recrutado os recursos técnicos e econômicos da indústria avícola para seu controle e prevenção. Isso decorre do fato da DIB atingir diretamente um importante órgão linfoide primário, a bolsa de Fabrícius e, portanto, comprometer significativamente a resposta imune mediada pelos linfócitos B através da produção de anticorpos.

As aves afetadas com o vírus de Gumboro sofrem imunossupressão, respondem deficientemente às vacinações, assim como desenvolvem maior susceptibilidade contra todo tipo de doença infecciosa. Isso repercute em prejuízos econômicos significativos para a indústria avícola, como perda em desempenho zootécnico, elevação da mortalidade e abertura de porta para doenças oportunistas. Portanto, onde a doença está presente, a vacinação é essencial.

IMAGEM-1 (1)

Figura 1 – Bursa de Fabricius afetada por um vírus da
doença de Gumboro. Fonte: Zoetis Saúde Animal.

 

Para combater a Doença de Gumboro, o melhor caminho é a prevenção por meio da vacinação, aliada a um programa de biosseguridade adequado. Mais uma vez voltamos a falar de controle integrado, que vem se tornando cada vez mais presente na avicultura.

Já há bastante tempo sabe-se que os anticorpos maternais exercem efeito neutralizante sobre a cepa vacinal, limitando a eficácia das vacinas convencionais. Além disso, o nível de imunidade passiva varia consideravelmente de uma ave para outra em um mesmo lote, dificultando a escolha do produto e do momento ideal para a imunização das aves. Por um lado, essa imunidade materna desempenha importante papel de proteção às aves nas primeiras semanas de vida, mas, por outro, dificulta a imunização ativa pelas vacinas convencionais.

A tecnologia da vacina do tipo imunocomplexo (Figura 1), produzida pela mixagem, em proporções bem definidas, da estirpe vacinal com anticorpos específicos contra a doença de Gumboro, produzidos em aves SPF, representou um grande avanço no controle dessa doença, pois permitiu a vacinação no incubatório, tanto por via in ovo quanto subcutânea.

FIGURA-2 (3)
Figura 2 – Ilustração da vacina de imuno-complexo com a estirpe
vacinal arranjada em antígeno anticorpo.
(Fonte: Zoetis Saúde Animal)

 
A
s empresas têm um objetivo claro de tornar os programas de vacinação cada vez mais simples, porém têm o desafio de mantê-los eficientes e seguros. Dessa forma, o controle da Doença de Gumboro é o grande pilar dos programas vacinais, e acaba por determinar as principais datas de manejo das aves e agrupar a vacinação contra outras enfermidades.

Nesse sentido, podemos falar de outro tema recorrente, o uso estratégico das vacinas. As vacinas possuem mecanismos diferentes, cepas diferentes e devem ser utilizadas de forma a atender à necessidade momentânea de cada granja.

Atualmente, existem vários tipos de vacinas vetorizadas e de imunocomplexo, e estas, possuem diferenças, muitas vezes sutis, mas que podem ser cruciais para uma decisão assertiva.

O funcionamento das vacinas de imunocomplexo foi descrito por pesquisadores da Zoetis1 em associação com professores do Departamento de Imunologia de Lelystad, na Holanda.

Após a injeção dos ovos, o embrião inala e ingere o líquido amniótico contendo a cepa vacinal com complexo antígeno-anticorpo, e, assim, o complexo atinge pulmões e intestino. Posteriormente, a vacina é transportada pelos macrófagos através do sistema circulatório e linfático até os órgãos linfoides. Nesse momento, importantes mecanismos imunológicos começam a trabalhar envolvendo dois tipos celulares distintos do sistema imune inato: os macrófagos e as células dendríticas foliculares. Ao encontrar essas células o complexo antígeno-anticorpo adere aos receptores presentes em sua superfície.

Nos macrófagos, o complexo antígeno-anticorpo é internalizado e inicia um ciclo de replicação contínua, permitindo que o vírus vacinal possa evadir-se da imediata neutralização por anticorpos maternais.

Por outro lado, nas células dendríticas foliculares, o complexo antígeno-anticorpo permanece protegido e ligado à superfície através de uma ligação iônica (Figuras 3 e 4).

A imunidade ativa irá se desenvolver quando ocorrer a queda natural dos anticorpos maternais. O vírus vacinal emerge dos macrófagos e escapa dos receptores das células dendríticas, e não pode mais ser impedido de infectar a Bursa de Fabricius, quando, então, inicia rápida replicação nos folículos linfoides.

Dessa forma, essa tecnologia pode ser considerada uma ferramenta inteligente que trabalha no momento certo e sinergicamente à proteção materna.

FIGURA-3 (2)
Figura 3 – Fotomicrografia eletrônica do imuno-complexo armazenado
na célula folicular dendrítica.

FIGURA-4 (1)
Figura 4 – Ilustração das células foliculares dendríticas presentes no baço
e na bolsa de Fabricius atuando como reservatório do imunocomplexo
(Fonte: Zoetis Saúde Animal).



Entre as vantagens das vacinas de imunocomplexo podemos destacar o fato de a imunidade ser induzida por um vírus vivo. Dessa forma, além da vacina imunizar a ave, ela também é eliminada no ambiente e produz um efeito conhecido como “esfriamento do galpão” após a vacinação de sucessivos lotes (Figura 5). Esse efeito somente é possível em vacinas com vírus vivo, pois o vírus de campo vai sendo substituído pela cepa vacinal2.

FIGURA-5 (1)
Figura 5 – Ilustração representando o “esfriamento do galpão’ após sucessivas
vacinações com vacinas baseadas em vírus vivo.
(Fonte: adaptado de Muniz & Diniz - 2014)

 

O controle efetivo das doenças imunossupressoras, como a doença de Gumboro, envolve o uso inteligente da imunidade materna nas primeiras semanas de vida da ave e a eficaz e adequada imunização ativa para uma proteção completa do lote.

A prevenção da doença de Gumboro é um passo importante para a preservação da integridade imune visando evitar imunossupressão, mortalidade e prejuízos econômicos em aves comerciais.

Além das vacinas possuírem mecanismos de ação bastante diferenciados (imunocomplexo, recombinantes e vacinas convencionais), um aspecto muito importante das vacinas é a característica da cepa vacinal utilizada.

Todas as estirpes vacinais presentes nas vacinas vivas registradas e comercialmente disponíveis cumprem requisitos de eficácia e segurança, mas não deixam de ter características bastante distintas. Existem cepas, por exemplo, como a estirpe W2512, que não são recomendadas para uso em poedeiras comerciais, pois a própria estirpe vacinal é muito agressiva para as aves.

De maneira geral, essas diferenças entre as estirpes vacinais são determinadas pela capacidade de romper o nível de anticorpos maternais e pela intensidade com que afetam a Bursa de Fabricius. Quanto maior a capacidade de romper o nível de anticorpos maternais, maior será a invasividade da vacina.

Curiosamente, existem algumas estirpes vacinais que conseguem romper níveis altos de anticorpos maternos, mas quando replicam no parênquima da Bursa, têm uma característica de permitir uma rápida regeneração linfoide, o que garante que a função da bolsa fique preservada. A cepa V877 reúne essas características. Estudos científicos demonstraram que a cepa V877 pode ultrapassar títulos de anticorpos maternais maiores do que 1100, segundo determinado pelo exame de ELISA Idexx e, ao mesmo tempo que possui essa característica, essa cepa também preserva a Bursa de Fabricius, pois após a “pega vacinal”, ocorre uma repopulação dos folículos linfoides4. Uma clara demonstração dessa característica é que, mesmo sendo considerada uma estirpe classificada como “forte”, ela pode ser indicada para aves poedeiras que são bastante sensíveis sem nenhuma contra-indicação.

A vacinação contra a doença de Gumboro vem sendo amplamente utilizada em todas as categorias de aves desde aves comerciais (frangos e poedeiras) como aves de vida longa (reprodutoras matrizes ou avós) para controle da imunossupressão causada por esse vírus.

A escolha da vacina deve buscar opções que sejam eficazes, práticas e seguras. Com o advento das vacinas e imunocomplexo e recombinantes, a vacinação contra a doença de Gumboro passou a ser feita em grande proporção no incubatório, tanto por via IN OVO como subcutânea. Isso tornou o processo de vacinação mais seguro e prático, pois a vacinação via água de bebida, embora muito eficaz, tem como ponto fraco a maior possibilidade de falha operacional.

Para cumprir os requisitos de eficácia e segurança, as vacinas contra a doença de Gumboro necessitam reunir alguns atributos básicos: ter capacidade de romper a barreira dos anticorpos maternais, não afetar significativamente e intensamente a Bursa de Fabricius, não aumentar a virulência enquanto replica na ave e não interferir na resposta à outras vacinas 4. Esse conjunto de características compõe os atributos ideais de uma vacina de Gumboro.

Essas características dependerão principalmente da tecnologia empregada no desenvolvimento da vacina como: a estirpe de vírus de Gumboro utilizada e seu processo e grau de atenuação. Durante o processo de desenvolvimento da vacina, todas essas características são amplamente testadas e comprovadas por experimentação antes da comercialização do produto final.

O senso comum indica que as estirpes de campo do vírus da doença de Gumboro deve determinar a estratégia de vacina a ser adotada. No entanto, um estudo recente da equipe técnica da Zoetis do Brasil indica que o inverso também é verdadeiro: a estratégia de vacinação pode influenciar qual cepa de campo de Gumboro irá aparecer nas granjas. A compreensão e monitoramento dessas dinâmicas são fundamentais para o controle a longo prazo da doença.

O estudo epidemilogócio de quatro anos, publicado no The Journal of Applied Poultry Research analisou amostras de tecido bursal de lotes de frangos de corte em todas as regiões do Brasil, que tinham sido imunizados utilizando uma das três estratégias de vacinas de Gumboro disponíveis: vacinas recombinantes, vacina de imunocomplexo ou vacina convencional5. Embora metade das amostras de IBDV-positivos fossem compatíveis com os genótipos de vacinas clássicas como esperado, a outra metade foi classificada como variante ou estirpes de campo muito virulentos.

O mais interessante desse estudo foi a constatação de que o tipo do programa vacinal utilizado também determina o resultado da circulação de vírus de campo. Os lotes vacinados com a tecnologia de imunocomplexo tiveram a menor incidência de vírus de campo.

FIGURA-6
Figura 6 – Tabela demostrando a circulação do vírus de Gumboro
e os respectivos programas vacinais. (Fonte: Zoetis Saúde Animal)


Nesse outro estudo liderado pela equipe técnica da Zoetis foram utilizadas aves SPF da linhagem White Leghorn, vacinadas com Poulvac® Magniplex, nas quais não existia a participação de imunidade materna. Observou-se, através da análise histopatológica das bursas, em diferentes momentos da vida dessas aves, que a replicação do vírus vacinal não trouxe lesões graves ao parênquima do tecido linfoide, portanto, o efeito da estirpe vacinal não impediu a capacidade regenerativa dos folículos. Além disso, é possível verificar a rápida replicação do vírus vacinal no dia 7.

A tabela abaixo demonstra os resultados médios da análise histológica em cada ponto de coleta nos diferentes tratamentos.

TABELA  

No mesmo estudo, foram avaliados dois lotes comerciais vacinados com Poulvac® Magniplex no incubatório. Esses lotes apresentam diferentes níveis de anticorpos maternos no primeiro dia de (T1 alto) e (T2 baixo). Ficou evidente que a vacina de imunocomplexo com a cepa V877 é capaz de atravessar a barreira dos anticorpos passivos, tanto em aves com alto ou baixo nível de imunidade maternal, sem causar efeito negativo no parênquima da Bursa de Fabricius6.

A tabela abaixo representa a resposta imune ativa de aves com diferentes níveis de anticorpos maternos.

TABELA-2 

A vacina atuou de forma personalizada, respeitando os diferentes níveis de anticorpos maternais, isso traz um efeito sinérgico na prevenção e proteção contra a Gumboro.

O ponto de destaque dos resultados foi que a vacina não produziu um efeito intenso no parênquima da Bursa de Fabricius e, nas análises histopatológicas, ficou claro a repopulação linfoide após a ação da vacina. Isso é um fato relevante, pois garante segurança no uso da vacina, já que a função da Bursa de Fabricius fica preservada.

Embora característica em relação à cepa V877 já tenha sido demonstrada em outros trabalhos, essa é a primeira publicação demonstrando a segurança em diferentes níveis de anticorpos maternos com essa cepa na formulação como vacina de imunocomplexo. Além disso, foram apresentados resultados do uso da vacina de imunocomplexo em aves poedeiras SPF (sem anticorpos maternais), nos quais foi constatado que a vacina não afeta de forma significativa a Bursa de Fabricius garantindo seu uso seguro, inclusive para aves poedeiras, que são muito sensíveis ao vírus de Gumboro.

A escolha do programa vacinal para prevenção e controle da doença de Gumboro será fundamental para o sucesso da atividade. Sendo assim, os preceitos de uma vacina ideal para determinada realidade devem ser levados em consideração.

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 LITERATURA CONSULTADA

1. Jeurissen SHM, Janse EM, Lehrbach PR, Haddad EE, Avakian AP, Whitfill CE. The working mechanism of an immune complex vaccine that protects chickens against infectious bursal disease. Immunology 1998; 95:494-500.
2. Muniz EC, Diniz GS. Programas de Vacinação. In: Mendes AA, Nääs IA, Macari M. Produção de Frangos de Corte. II edição. Campinas: Fundação APINCO de Ciência e Tecnologia Avícolas 2014; p. 321-344.
3. Caron LF. Vacinações e Imunidade na Avicultura. Anais do XXIII Curso de Sanidade da Zoetis. Agosto, 2015. Jaguariúna – SP
4. Geerlings HJ, Ons E, Jan Boelm G, Vancraeynest D. Efficacy, Safety, and Interactions of a Live Infecctious Bursal Disease Virus Vaccine for Chiches Based on Strain IBD V877. Avian Diseases 2015; 59:114-121.
5. Muniz EC, Verdi R, Jackwood DJ, Kuchpel D, Resende MS, Mattos JCQ, Cookson K. Molecular Epidemiologic Study of Infectious Bursal Disease Viruses in Broiler Farms Raised under Different Vaccination Programs. Journal of Applied Poultry Research 2018; 27:253-261.
6. Muniz EC, Resende MS, Silva AFA, Verdi R, Di Fabio J, Bordin EL. Histopathology and Serology Reaction to an Immune Complex Infectious Bursal Disease Vaccine (V877 Strain) in SPF and Commercial Birds. Ars Veterinaria 2018; 34(2):069-076.
7. Relatório Anual ABPA, 2022.
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GLEIDSON SALLES Autor

Médico veterinário, gerente de produto na divisão de Aves da Zoetis.

tag: Zoetis , Gleidson Salles , poedeiras , Doença de Gumboro , sanidade , vacina ,

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