Veterinário americano relata a experiência da influenza nos Estados Unidos

Veterinário americano relata a experiência da influenza nos Estados Unidos

Travis Schaal, da Hy-Line, contou a avicultores de Bastos a experiência catastrófica vivida pela avicultura de postura com o vírus da influenza, entre 2014 e 2015.

POLOS DO OVO

agosto 09, 2015

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Plateia lotada com avicultores de Bastos (SP), da região e até mesmo do Norte do Paraná: atenção total à influenza aviária

 

Os avicultores de Bastos (SP) e região participaram, no último dia 5 de agosto, de uma palestra que foi uma boa lição sobre a influenza aviária, e um alerta para os riscos e o impacto drástico que essa doença pode causar na economia da Região Oeste do Estado de São Paulo. Numa iniciativa que envolveu o Sindicato Rural de Bastos e a Hy-Line do Brasil, a Capital do Ovo recepcionou o médico veterinário americano Travis Schaal para uma palestra muito direta ao ponto: Lições para a postura comercial dos Estados Unidos após enormes perdas com a influenza aviária: aprendizado e perspectivas.

Schaal é chefe de Serviços Veterinários da Hy-Line Internacional e presidente da Associação das Casas Genéticas de Corte e Postura para a avicultura americana. É ele o homem que representa a Hy-Line em todas as negociações, pesquisas e discussões com o governo americano e todas as entidades envolvidas na grave crise sanitária por que atravessa os Estados Unidos desde que constatou-se que a influenza havia chegado violentamente ao país.

Por integrar o processo de entendimento e pesquisa sobre a doença, Schaal nunca visitou granjas afetadas durante todo o período da crise, exatamente como mecanismo de preservação de sua empresa e seus clientes, mas tornou-se um dos mais bem informados sobre tudo o que se passou e ainda se passa nos Estados Unidos em relação ao atual surto de influenza aviária. E mais. Ele é portador de notícias inquietantes para o futuro: o país teme que no próximo inverno americano o vírus da influenza de alta patogenicidade retorne ainda mais impactante.

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Travis Schaal: experiência e aprendizado com a tragédia

Foi assim que, por quase duas horas entre palestra e perguntas da plateia, o chefe de serviços veterinários da Hy-Line Internacional fez um relato objetivo e rico em detalhes sobre os sete meses de forte pressão que a avicultura americana viveu com o surto de influenza aviária de alta patogenicidade; no período de dezembro de 2014 a junho de 2015, a doença matou mais de 48 milhões de aves, mobilizou um contingente enorme de profissionais contratados às pressas para estudar o “caminho” da influenza e sua evolução e, principalmente, para eliminar o mais rapidamente possível as aves mortas, uma forma dramática, mas a mais eficaz para combater a propagação do vírus, já que somente mortas as aves deixam de propagar o vírus.

Como o país optou por não vacinar as aves, devido ao impacto amargo que essa medida teria para as exportações de frangos, o único meio para livrar-se da doença era mesmo o total descarte de aves doentes ou sob suspeita. Até mesmo granjas onde só entrou o vírus de baixa patogenicidade, optou-se por abater cem por cento do plantel, já que há o perigo – e isso já aconteceu em outros lugares - de reversão do vírus para alta patogenicidade. “E não podíamos correr riscos”, explicou o americano. A opção de vacinar as aves, como fez o México, foi descartada pelas autoridades americanas porque não há medicamento no mercado que elimine a doença; as vacinas existentes apenas reduzem a quantidade de vírus na ave, mas não impedem que ela permaneça infectada e propagando o vírus nas fezes, nas penas, no ar. “Sabemos que a vacina pode ser uma ferramenta, a ser usada com prudência, devido ao impacto nas exportações”, pontuou Travis Schaal.

Ele explicou que o surto pelo vírus H5N2 iniciou-se em dezembro e foi, provavelmente, levado ao território americano por aves aquáticas migratórias provenientes do Canadá. O primeiro caso detectado foi relatado em 14 de dezembro, num falcão, no Estado de Washington; em 19 de dezembro, foram notificados casos em aves caipiras do Estado de Oregon. Quatro dias depois, perus de um plantel comercial da Califórnia estavam seriamente afetados pelo H5N2, e imagina-se que eles tenham tido contato com águas de uma lagoa onde aves migratórias estiveram.  Como era uma período chuvoso e houve enchentes, o contato com os perus pode ter acontecido à época. Em março, houve casos de influenza novamente em perus, dessa vez no Estado de Missouri. E, finalmente, em 19 de abril, foram notificados os primeiros casos do vírus de alta patogenicidade em aves poedeiras em Iwoa, o estado mais afetado com a doença. No dia 19 foi constatada a doença em um lote de 3,8 milhões de poedeiras comerciais.

E daí para a frente, até junho, foi um caso atrás do outro, rapidamente, e com mortandade altíssima em vários estados americanos, comprovando a alta propagação da doença. O último caso registrado aconteceu em 17 de junho e a contabilidade é trágica: ao todo foram 223 casos de influenza aviária que levaram ao abate de 48 milhões de poedeiras. Em matrizes foi registrado um caso em granja de aves reprodutoras pesadas (frangos) e, em outra, com aves reprodutoras leves (poedeiras). Chegou-se à conclusão de que pelo menos em 20 casos de H5N2 houve contaminação por aves migratórias aquáticas, mas depois os casos foram mesmo de contaminação de granja para granja.

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Katsuhide Maki, Travis Schaal, Yasuhiko Yamanaka, Tiago Lourenço e Carlos Ikeda: Sindicato de Bastos e Hy-Line em parceria

 

As lições aprendidas

Com a objetividade e o pragmatismo próprios dos profissionais norte-americanos, Travis Schaal deixou claro aos avicultores da região de Bastos que a crise gerada com o surto tão intenso deixou o segmento da avicultura e as autoridades americanas um tanto atordoados, e perdeu-se um tempo precioso no começo do surto procurando-se as causas da propagação, quando já era o caso de agir e eliminar, sem demora, os lotes contaminados. E aí começam as lições aprendidas com a experiência traumática do surto violento de influenza aviária nos Estados Unidos.

Travis Schaal conta que assim que foi decidido fazer o sacrifício das aves contaminadas, foram contratados rapidamente 3 mil profissionais para o trabalho. “Aprendemos a lição de que é muito difícil treinar uma equipe tão grande para seguir, de forma padronizada, os protocolos necessários. Aprendemos que os planos do governo são importantes, mas não se aplicam muito à realidade da indústria avícola e descobrimos que temos que ter nossos próprios planos e treinamento. Aprendemos que é muito difícil eliminar um número tão grande de aves de uma vez e que não existem incineradores suficientes para eliminar, de uma só vez, uma milhão de aves. E descobrimos, ainda, que quando necessitamos de aterros sanitários, mesmo quando o governo autoriza utilizá-los, eles podem se recusar a nos atender.”

A situação tornou-se muito grave e urgente, relembrou o americano. É que enquanto está viva, mesmo muito doente, a ave mantém-se propagando o vírus. E já mortas, suas fezes podem reter o vírus vivo por vários dias. Assim, era urgente dar uma destinação ambientalmente viável às aves mortas, de uma vez só, sacrificar e eliminar as aves doentes, dar um fim a suas fezes e penas, e ainda limpar e desinfetar corretamente e com muita seriedade todas as instalações, para que ficassem em vazio sanitário conforme preconiza a lei.

O governo americano colaborou com indenizações às granjas afetadas - ainda que não o suficiente para cobrir todos os prejuízos, mas as manteve no negócio - e deu suporte para a limpeza e desinfecção. “Existem granjas que precisarão ficar em vazio por dois anos”, relatou o profissional da Hy-Line Internacional. No total, o governo gastou 200 milhões de dólares para eliminar o plantel doente, mas o impacto desses sete meses de luta contra a influenza custou ao país pelo menos 3 bilhões de dólares, somando-se todos os gastos envolvidos. “E ainda não sabemos quanto tempo vai demorar para repovoarmos todo o plantel perdido”, indicou o palestrante.

Uma lição fundamental também foi aprendida pelo mundo da avicultura norte-americano: “Aprendemos que nossa biossegurança não era como deveria ser. Havia muita troca de equipamento entre granjas vizinhas, não havia desinfecção adequada dos aviários e não se tomavam os banhos necessários entre os donos, técnicos e funcionários das granjas, tanto ao entrar, quanto ao sair das propriedades”. Tudo isso facilitou a entrada do vírus e a troca de vírus de granja para granja, o que explica o tamanho da propagação da doença, que atingiu 22 estados americanos. Só no Estado de Iwoa, maior produtor de ovos dos Estados Unidos, 50% do plantel de poedeiras foi afetado.

Para a Hy-Line, que concentra naquele estado um de seus maiores complexos de produção de genética, essa foi uma prova de fogo. Teste pelo qual a empresa passou, pois não houve nenhum caso de contaminação por influenza aviária em suas aves. “Teve granja de clientes nossos afetada a 20 km de distância da Hy-Line, mas nossos procedimentos de biossegurança não permitiram a contaminação”, contou, aliviado, o profissional. E brincou: “Também rezamos muito e tivemos alguma dose de sorte”.

As formas de contaminação atuais

Ele alertou aos avicultores presentes que encarem a possibilidade da chegada do vírus da influenza, já que hoje as rotas de aves migratórias não são mais tão fáceis de se monitorar como antigamente. Por diversos motivos, incluindo a necessidade de ir atrás de comida em novas rotas, as aves aquáticas migratórias podem reservar surpresas desagradáveis, lembrando que o surto de influenza altamente patogênico que acomete a China começou com os gansos guangdong e teve um desenvolvimento tão surpreendente que está “reescrevendo” as teorias sobre o assunto.

Outro fator sério de risco é a entrada do vírus através de pessoas que transitam de um país para outro, já que o microorganismo pode permanecer em pelos do nariz humano por vários dias, se a higiene não for bem feita, ou mesmo em sapatos, se eles estiverem com restos de fezes de aves doentes, por exemplo. E deu uma informação que intranquiliza mais: o vírus é afetado pelo calor, o que aparentemente deixa o Brasil imune, mas já se tem registro de casos de surto em áreas quentes do planeta.

E já que Bastos está enfrentando a questão e liderando ações de prevenção desde que o governo paulista lançou o programa de prevenção à influenza aviária, em maio deste ano, todos os conselhos balizados, como o de Travis Schaal, são bem-vindos. Ao menos a plateia bastense – também composta por avicultores de outras regiões, como o Norte do Paraná - ouviu tudo muito atentamente.

“Tenham um plano próprio em cada granja!”, aconselhou, seriamente, Travis Schaal.

Entre os conselhos, o mais importante é que além do plano local de prevenção e do plano estadual, cada avicultor estabeleça seu próprio plano de prevenção, intensificando para valer as medidas de biossegurança, lembrando que ações como limpeza e desinfecção de equipamentos e aviários devem ser rotineiras e permanentes. Assim como os banhos “bem tomados”, com assepsia correta de unhas (com escovação) e narizes (com abluções bem feitas), e cabelos. Tanto antes de entrar nos aviários quanto depois.

Essas medidas, disse ele, devem ser tomadas para todos, de donos a funcionários e assistentes técnicos. E o ideal, sempre, é utilizar roupas descartáveis para entrar nos aviários, como toucas, jalecos e protetores de sapatos. “Vale lembrar que o procedimento do banho antes de entrar e após sair dos aviários onde estão as aves é básico”, fez questão de reafirmar aos presentes.

“É muito importante planejar tudo antes de se ter o problema, e estar preparado”, alertou Schaal, apontando que cada granja deve ter seu próprio estudo de eliminação rápida e eficiente do plantel em caso de constatação de vírus da influenza. Claro que sempre dentro das premissas legais vigentes no país. “Nos Estados Unidos aprendemos que é extremamente importante que o abate e eliminação das aves seja feito em menos de 24 horas. Isso foi uma lição para nós, e entendemos que para conseguir essa meta pode ser que tenhamos que utilizar métodos difíceis de eutanásia. Após o surto, os Estados Unidos estão envolvidos em muitas pesquisas para se chegar a novos métodos de sacrifício das aves rapidamente, evitando-se a presença do homem nessa ação. Aprendemos que é muito difícil sacrificar 48 milhões de aves e precisamos ter um plano B caso o que foi planejado inicialmente não dê certo.”

Outro alerta deixado pelo médico veterinário norte-americano é que todos observem e monitorem muito bem suas aves e a qualquer sinal de mortalidade fora do padrão façam o exame para influenza rapidamente. Em aves poedeiras a doença é assintomática, segundo ele, e o sinal mais claro da doença é a mortandade elevada. “Para um bom monitoramento do plantel e das medidas de biossegurança implementadas, aconselho também a verificar se seus plantéis têm tido casos de outras doenças, como laringotraqueíte, por exemplo. Se tem ocorrido, é sinal de que algo está errado, pois onde entra um vírus da laringo também entra o da influenza aviária, se ele estiver no ambiente.”

Em granjas que possuem lagoas é fundamental que se tenha um monitoramento muito bem feito das aves aquáticas, pois mesmo que o aviário esteja longe, basta uma dessas aves estar contaminada para o vírus ser levado de alguma forma para o aviário. Nos Estados Unidos ficou comprovado que fezes de aves silvestres contaminadas foram os vetores de vírus ao defecarem no teto dos aviários. Com a chuva, por exemplo, essas fezes escorreram pela parede e penetraram no aviário, contaminando poedeiras.

Profícua e detalhada, a palestra do médico veterinário americano foi bastante esclarecedora. Ao final dela, não houve como não se pensar o óbvio: se até um país organizado, rico, ágil e prático como os Estados Unidos sofreu tamanhas perdas com o surto de influenza de alta patogenicidade - e ainda estão inseguros quando à possibilidade de novo surto, no próximo inverno, ainda mais violento - que será da avicultura do Brasil se esse vírus ultrapassar nossas fronteiras?

ELENITA MONTEIRO – A Hora do Ovo

Fotos: Teresa Godoy

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