Olha o cavalo arreado!
Crise e oportunidade, mais uma vez, são temas de análise de um expert. Roberto Rodrigues avalia a crise atual do agronegócio brasileiro.
A histórica seca que afetou a safra dos Estados Unidos este ano mostra a fragilidade dos modelos globais de produção e abastecimento de alimentos. A quebra da safra americana de milho e soja é quase igual às safras completas brasileiras destes grãos, somadas a de verão e inverno.
Essa crise tem impacto preocupante na redução global dos estoques de grãos, e uma duríssima questão para os americanos. Cerca de 40% da safra de milho dos Estados Unidos é hoje dirigida à produção de etanol. Mas, com cerca de 100 milhões de toneladas de milho a menos nessa safra, cresce a pressão para reduzir a fabricação do etanol e direcionar a colheita para proteína animal.
Se decidirem não fazer etanol, terão de importar combustível, provocando uma eventual espiral inflacionária. Se optarem por não destinar o milho para ração animal, aumentarão preços da carne e afetarão o consumo interno. É uma duríssima decisão em um tempo de eleições equilibradas.
Mas a fragilidade produtiva persiste, bem como a redução dos estoques. A China, decidida a produzir frangos, deve até, os próximos cinco anos, importar mais 50 milhões de toneladas de milho. Enquanto a oferta cai, a demanda cresce. Isso exige atenção consistente das organizações multilaterais lideradas pela ONU (como FAO e OMC) e outras instituições, como o G20, para o estabelecimento de uma estratégia global para segurança alimentar.
Independentemente desse movimento, ao Brasil está oferecida uma extraordinária oportunidade. Não se trata apenas de aproveitar a quebra da safra americana, que já elevou os preços das commodities agrícolas – nossos produtores plantarão mais, e com melhor tecnologia, para se beneficiarem dessa brecha no mercado. Trata-se de algo maior. Está na hora de montarmos uma grande estratégia, de longo prazo, que nos coloque com maior presença nos mercados de alimentos.
Essa estratégia deve ser discutida no 1º Fórum Nacional de Agronegócios e deve considerar:
- Mais estímulos à produção rural, de milho, soja, cana, álcool, frangos, suínos e lácteos.
- Negociação com os americanos para um compromisso de abastecê-los, por pelo menos 10 anos, com esses produtos, sempre com valor agregado. Não apenas vender milho e soja, mas a carne pronta e empacotada.
- Condicionar essa negociação à compra de outros produtos nossos, como o suco de laranja, que hoje vive uma crise de preços sem precedentes.
- Garantir financiamentos à indústria de alimentos, com papel preponderante do BNDES.
- Reforço à posição de Ministério de Agricultura como executor da estratégia, em parceria com outros órgãos de governo, como o INCRA, o IBAMA, a ANVISA e outros.
- Itamaraty liderando essa negociação, sem deixar setores produtivos de lado.
É nos momentos de crise que surgem as oportunidades. Já passou da hora de montarmos um Código Agroambiental que ofereça ao Brasil as condições de ampliar seu formidável potencial produtivo e se transformar no grande paladino mundial da Segurança Alimentar e Energética Sustentáveis. O cavalo vem passando arreado. Não podemos deixá-lo ir sem o montarmos com nossos campeões mundiais do rodeio agrícola: os produtores rurais brasileiros.
(Artigo divulgado no Jornal Brasil Econômico, agosto 2012.)
Roberto Rodrigues foi ministro da Agricultura, é presidente do LIDE Agronegócios, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e embaixador da FAO para o Ano Internacional do Cooperativismo.
Roberto Rodrigues Autor